Dona
Bilú – Nívea Oliveira
Eu
ainda era menino e não sabia nada sobre a luta de algumas pessoas para
sobreviver e levar adiante os próprios sonhos. Naquele tempo a nossa pobreza
era como os bolos de Dona Bilú: perfumados e saborosos. Não se sofria porque não
tinha isso ou aquilo. Tínhamos tudo em nossas vidas: as cordas que meu tio da
Marinha nos trazia para pularmos com as meninas de Dona Filó, a costureira; as
estórias de vovó que era a líder da rua e os bolos de Dona Bilú. O nosso
sorriso ficava mais largo quando, nos finais de semana, vovó ia visitar a amiga
Bilú. A casa era simples, de chão batido. As roupas tinham um cheiro de sabão
que meus produtos atuais não conseguem reproduzir hoje, quadros de
antepassados, uma vida em preto em branco que desfilava sob o móvel de madeira
escura da sala. Aquele era o móvel mais imponente daquele ambiente simples.
Vovó sempre o elogiava. Ela dizia que ele havia sido dado de presente, no
passado, por uma ex-patroa de Dona Bilú. O verdadeiro nome da minha querida
Dona Bilú continua sendo um mistério, naqueles tempos não sentia a necessidade
de indagar certas coisas, a gente aceitava os nomes, os “cala a boca, menino”, as
decisões de vovó que de certa forma comandava meus pais e eu. O que fazer. Hoje
seria tão bom ter alguém que se preocupasse comigo assim.
Os
bolos quentinhos saíam daquele forno pequeno. A casa de Dona Bilú tornava-se
grande naquele momento. Enorme. Meu coração palpitava, eu era o menino mais
feliz do mundo. O mundo parecia não caber em mim. Os assuntos eram coisas dos adultos e a nós
era permitido ouvir tudo e não perguntar nada. Coisas do passado. Hoje não se
pode agir assim. Eu comia o primeiro pedaço com voracidade. Bolo quente faz
mal, dizia vovó. Eu sabia que Dona Bilú me daria outro pedaço, era sempre
assim. Uma infância de certezas. Cada coisa havia um lugar e na hierarquia dos
grandes o meu espaço de menino não era sofrido. Eu aceitava tudo porque não
existia nada melhor do que aquele bolo. Ao terminar de comer ouvia vovó com
meus olhos arregalados, sentindo na língua o gosto da mandioca ralada, ou do
chocolate. Dona Bilú por sua vez escutava vovó e sem dizer nada pegava a faca e
começava a partir o segundo pedaço, olhando-me com o canto do olho. Meu coração
disparava de novo. Vovó recriminava a atitude e a amiga respondia que eu
precisava crescer. Sim, Dona Bilú, eu quero ser um gigante. Mastigava bem
devagar meu segundo pedaço de bolo. O tempo esgotava-se e eu desejava eternizar
aquele sabor, aquele momento. O sabor dos bolos, o sabor da minha infância, que
ainda hoje tem aquele perfuminho de cozinha de Dona Bilú, aos domingos à tarde.
Hoje não como mais bolo porque tudo que gosto engorda ou faz mal e já não sei
mais ouvir como antes. Tornei-me impaciente. Não me esqueço, porém, dos bolos
de Dona Bilú.
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